Wednesday, August 24, 2011

Desenrascanço

Durante muito tempo associei o desenrascanço à preguiça de fazer alguma coisa bem. Ao chico-espertismo que pretende ludibriar o parceiro. E, seguindo o pensamento corrente, o desenrascanço é uma característica bem portuguesa. Pronto. Era assim. Um povo votado à mediocridade por fazer tudo, como se diz, "às trez pancadas".

Depois comecei a pensar que lá no estrangeiro o português não é visto como mediocre no que faz. Pelo contrário, em muitas profissões é preferido pela qualidade do seu trabalho. Trabalho bem feito, com os detalhes todos certinhos, e que nunca precisava de ser feito de novo.

E comecei então a pensar que, se calhar, o desenrascanço é outra coisa. Isto é, o desenrascanço não é preguiça de fazer as coisas bem, não é chico-espertismo. Esses existem, e são o que são, mas não são a causa nem a essencia do desenrascanço. O desenrascanço tem de advir de outra coisa qualquer. Mas o que será? Que dá aqui e não dá lá, no estrangeiro? Será que os ares deste jardim à beira mar plantado são nefastos? Não me pareceu ser uma razão viável.

Então, o que será esse maldito desenrascanço.

Bom, pensei eu, hei-de descobrir um dia.

E, como todos nós, fui à minha vida. Como qualquer cidadão, fui continuar a tratar de documentação, submeter pedidos de isto e daquilo às diversas repartições, obter aprovações para uma coisa ou outra, e, à medida que encontrava obstáculos, muitas vezes, sem nexo ou razão de existir, comecei a notar em mim uma vontade de fazer à minha moda e a desejar que as exigências das repartições fossem também à vida, embora não tivessem sido bem essas as minhas palavras.

Aí eu disse para mim mesmo - alto! Estás a fazer o quê? Estás a querer fazer as coisas que sabes fazer mas evitando as tais exigências que achas, se me permitem o termo, estúpidas? Será que, ao fim e ao cabo, tu decidiste desenrascar-te? Realmente parecia que sim.

Então voltei à minha pergunta sobre o desenrascanço. Será a falta de força de vontade para fazer bem? Ou será um modo prático e expedito de contornar as dificuldades complexas de um sistema acomplexado, quero dizer, complicado, que visa não deixar fazer, para não ficar mal feito, mas ao ponto de não permitir que se faça, nem bem nem mal?

E assim, passei a pensar, o cidadão desenrasca-se quando faz pela calada, ou conforme pode, mas faz, aquilo que precisa de ver feito, apesar das exigências legais ou até cívicas desses sistemas e procedimentos anacrónicos e escleróticos em que tropeçamos todos os dias.

Claro que muita vez sai asneira, como é vulgar ver nas fotos que correm por aí chamando a atenção para o país no seu melhor, mas isso é chico-espertismo, é o tal fazer mal feito por desleixo ou pior, por mediocridade. Isso, acho eu, é diferente. Já ultrapassa o desenrascanço.

O desenrascanço é um modo de conduzir a vida que permite suplantar a paralização dos sistemas que deveriam ajudar e não impedir o cidadão de viver a sua vida.

Eu acho!

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