Tuesday, March 9, 2010

Confiança em Deus

Olá Amigo,

gostei de ler algo sobre ti. Obrigado por teres respondido.
Achei interessante o teu comentário sobre teres perdido a confiança em Deus. Eu também perdi, faz tempo!

Vou-te contar uma história:

Quando eu era o filho do Pastor e tinha que me comportar bem porque tinha de dar o exemplo, como filho do Pastor, o que é uma seca que nem imaginas, lembro-me de, lá pelos meus 14 ou 15 anos ter tentado ser mesmo Cristão. Até ali eu era o filho do Pastor e achava que ir à igreja, saber os versículos da Bíblia que se decoravam para a escola dominical, e saber cantar uns hinos religiosos sem desafinar muito já me dava o estatuto suficiente e estava tudo bem.

Mas aos 14 ou 15 comecei a aperceber-me que se calhar eu tinha de ler a Bíblia de fio a pavio como andava toda a gente a fazer lá na igreja do meu pai, e se calhar tinha de ser convicto naquilo em que eu andava metido. E tentei. Mas por mais que eu tentasse ler a Bíblia não conseguia passar dos primeiros versos do Génesis que eu achava uma seca daquelas... Deixei o Génesis e saltei à frente. Aí não consegui passar daquela do Adão e da Eva que tiveram dois filhos e depois um matou o outro, e depois tiveram uma prole que povoou o mundo... e eu só conseguia pensar na Eva a fazer meninos com o filho sobrevivente... e resolvi saltar essa parte e seguir em frente.

Mas onde eu realmente empanquei foi naquela de Deus dar o seu primogénito para que uns sacanas o matassem, da forma mais cruel que nessa altura era conhecida, para que o mundo visse como ele era um Deus que amava os seus filhos... mas eu não conseguia imaginar como é que um pai tão bondoso e piedoso pudesse deixar que o seu primogénito fosse morto assim. Não me cabia na cabeça. O filho dele tinha sido sempre um gajo bonzinho e aconteceu o que aconteceu... no meu caso eu fiquei certo que para Deus, a minha cabeça estava a prémio.

Depois tive um problema do caraças com as orações. As que eu fazia em casa, ao deitar, nunca davam em nada. E orar na igreja, naquelas reuniões de oração onde as pessoas podiam orar à sua moda e a seu bel-prazer, eu ouvia uns relambórios sem fim que achava que deviam ser convictos, mas que não me diziam nada. Nada! Estás a perceber? Eu sentia-me como peixe fora de água. Era como se as orações fossem numa língua desconhecida.

Passados uns anos fui para JHB e ainda fiz um esforço em ir às igrejas em inglês pensando que, sendo um país estrangeiro, eles lá é que deviam saber como é que se é cristão e eu iria aprender. Só vi mais do mesmo. Talvez até com uns requintes de malvadez. E foi aí que eu comecei a questionar Deus. Durante toda a minha vida tentei perceber ou sentir o que era Deus mas cada vez mais me convencia que Deus é feito à imagem dos homens e não vice-versa, como me ensinaram, quando eu era o filho do pastor.

Hoje tenho fé na bondade e na piedade dos homens, na inocência das crianças, na sabedoria dos velhos, no sorriso de um amigo, no amor de uma companheira, e acho que isso deve ser Deus. Olho para dentro de mim e vejo que tenho cá umas coisas boas, e isso deve ser Deus. Mas podes crer que não está sozinho cá dentro. Tem companhia e não é boa companhia. Mas eu vou tentando acalmar essa parte ruim. Olho para a natureza animada e inanimada e vejo nela algo que eu às vezes chamo de Deus. Olho para um amigo que está a sofrer e sinto vontade de lhe tirar o sofrimento para que não sofra mais, e acho que esse sentimento é Deus. Embora eu saiba que pouco ou nada posso fazer ao meu amigo, excepto chorar com ele, porque a companhia parece ajudá-lo. Se calhar o benefício dessa companhia não vem de mim mas dessa outra força que continuaremos, de momento, a chamar de Deus.

Fim de história.

Ao longo dos anos tenho lido muito sobre Deus, sobre as religiões, e sobre as escrituras sagradas. Tenho lido coisas muito interessantes e cada vez mais me convenço que Deus não é isto que apregoam. Aliás, sinto que Deus não tem mesmo nada a ver com isto que nos ensinaram. Deus é tudo isto que nos rodeia, se lhe podemos chamar Deus, mas pronto, chamemos-lhe assim. Mas não acredito que Deus é um pai todo-poderoso, cheio de compaixão. Essa imagem foi-nos vendida tal qual outras tantas imagens que nos têm sido vendidas ao longo da história da humanidade e que em muitos casos só deram em calamidades... o Nazismo, a Inquisição, a guerra do Iraque, as Cruzadas, e por aí a diante.

Compreendo o teu desapontamento mas não te sintas só. Estás rodeado de muita gente que também deixou de acreditar nesse Deus. Para quem pensa esse desapontamento um dia chega, mais tarde ou mais cedo. Temos de redefinir Deus. Não sei como, mas temos. Mas não é esse que deixou que lhe matassem o filho par nos convencer da sua bondade para depois, ao longo dos séculos, deixar sofrer milhões de outros... que paradoxo!

Aquele abraço,

Thursday, March 4, 2010

Receita contra a recessão: sair do marasmo mental

Francesco Alberoni

i – 9 de Janeiro de 2010

A recessão económica manifesta-se sobretudo como crise da fantasia, de criatividade, o encerramento num círculo restrito onde não se arrisca nada, nem sequer o cansaço de pensar. Se não podemos agir, deixamos de projectar e até mesmo de imaginar e sonhar. É exactamente o contrário do que acontece nas fases de grande expansão. Depois da Segunda Guerra Mundial surgiu um impetuoso desenvolvimento económico porque todos sonhavam com um mundo novo.

A criatividade não foi apenas económica, chegou a todos os sectores. Na ciência houve a descoberta do ADN, a teoria da informação, a teoria do caos. No cinema, realizadores como Fellini ou Hitchcock e actores como Marlon Brando, Sophia Loren e Marilyn Monroe. E também grandes pensadores, como Sartre, Camus, vi-Strauss e Raymond Aron.

Pelo contrário, na actual recessão prevalecem o medo e a prudência, pelo que não só não se fazem coisas novas, como também existe o medo do que é novo. Não surgem grandes empreendedores, grandes escritores, grandes pensadores, e quando isso acontece não o reconhecidos. O público recebe produtos decadentes e habitua-se ao que é medíocre e feio. Há alguns anos, a transmissão televisiva era assegurada por Bonolis, que inventava, improvisava de forma criativa e tinha um êxito capaz de pôr em perigo o telejornal satírico "Striscía la notizia". Hoje em dia, apesar de ser uma récita gasta, estereotipada e aborrecida, tem a mesma audncia. O mesmo se passa com a má ficção e os programas com as mesmas pessoas que dizem sempre as mesmas coisas. As pessoas não tentam compreender, contentam-se com as notícias, lêem biografias que são um chorrilho de mexericos. À falta do novo, chegou a vez do monstruoso.

Nas antigas feiras, as protagonistas eram a mulher-canhão e a mulher-serpente. Hoje, para conseguir público, o espectáculo tem de incluir um transexual, uma acompanhante, duas lésbicas, um príncipe e, se possível, um anão e uma gigante. Como se sai de uma estagnação que tem como contraponto o fecho das fábricas, a falência das pequenas empresas, o espectro do desemprego? Começando por abandonar os pântanos intelectuais. Não devemos estragar o gosto das pessoas com espectáculos, livros, filmes e sica de má qualidade. Temos à nossa disposição a mais selecta cultura mundial. Tiremos proveito dela, abramos a mente ao que nos enriquece em termos emocionais e intelectuais. Estudemos, trabalhemos, inventemos um trabalho, uma actividade nova. Façamos o que sempre quisemos fazer e a que renunciámos por timidez ou medo.

Sociólogo, escritor e jornalista