Friday, December 25, 2009

Ser português

Ser português é ser o que nos ensinaram a ser e que, se não nos acautelamos, ensinaremos os nossos filhos também a ser, ou seja, o mesmo.

Esse mesmo de que nos queixamos, o chico esperto, o político corrupto, seguido pelo industrial corrupto, financiado pelo banqueiro corrupto e seguido por cada um de nós que aceita, no mínimo, que o sistema seja corrompido ao menor vislumbre de benefício pessoal. Esse mesmo! O mesmo que tem levado este país às páginas dos jornais com escândalos dos quais apenas nos rimos ou nos queixamos, e contra os quais por vezes nos revoltamos mas sem efeitos correctivos aparentes. Esse mesmo é o mesmo que nos ensinaram, e o mesmo que, infelizmente, estamos a ensinar a ser aos nossos filhos.

De todos eles, penso que o chico esperto é o pior. É o pior porque abre a porta a todos os outros. O chico esperto de que nos queixamos é o que nós ensinamos aos nossos filhos e filhas quando lhes ensinamos a fazer batota num joguinho "sem importância" com os amigos, só para que o nosso filho ganhe sempre, ou pelo menos, mais vezes que os outros. E deste modo o nosso filho, ou filha, não precisa de ser bom no que faz. Basta ser esperto e aldrabar os outros, como espreitando as cartas do parceiro mais novo e inocente ou alterando as regras do jogo enquanto se joga um joguinho sem importância. Mas porquê? Porque ensinamos isso? A resposta é simples. Ensinamos isto porque nenhuma criança gosta de perder, nós não gostamos de ver os nossos perder, e em especial, não queremos ouvir a birra dos nossos filhos ou filhas quando perdem e não ganham. Todas as outras respostas ou justificações, que isto é um mundo cão, que só ganha quem é feroz, que as crianças têm de aprender a bater porque se não batem vão apanhar dos outros, são subterfúgios, nada mais.

Na realidade, perder precisa de ser ensinado e dá trabalho. Não precisamos de ensinar a ganhar. Isso já a natureza nos teceu, nas tramas mais recônditas da nossa massa cinzenta, durante milénios sem fim. Todos nós sobrevivemos porque ganhámos no jogo da vida. Somos descendentes de seres humanos, e, mais longe ainda, de animais que ganharam no jogo da vida. Perder precisa ser aprendido mas, e aí o dilema que temos de enfrentar, nem um pai gosta de ver o filho perder, nem se quer dar ao trabalho de ensinar o filho a perder, ou seja, a ser bom no que faz para ganhar. Isso dá trabalho. A ambos. Falo de pais e filhos no contexto genérico de pais, de filhos, de mães, de filhas, de avós, de netos, de netas e por aí adiante.

Ensinar a perder é ensinar regras da democracia que tanto gritamos aos sete ventos, e isso leva tempo e dá trabalho. Mas é essa democracia que nos permite viver em paz com os nossos vizinhos, que nos permite ter amigos a sério, não apenas os de conveniência, e até sermos felizes nos nosso relacionamentos.

No entanto, como portugueses, temos entranhado dentro de nós a ideia que ensinar um filho a perder é ensiná-lo a ser "mó de baixo," a ser "pateta", a ser o "bobo do grupo". Mas isso é um erro grave para a criança e para a sociedade. Para não ser nada disso é também preciso ensinar a criança a reconhecer quando as regras estão a ser violadas pelos outros e ensinar a levantar a voz e reclamar e, se preciso for, punir quem prevarica. Mas isso dá trabalho aos pais e à sociedade. Leva tempo. E precisa de convicção de que o chico espertismo que nos ensinaram não é, ao fim e ao cabo, bom para ninguém. Essa convicção viola os ensinamentos dos nossos pais e é difícil ir contra a maré. Mas se queremos, como pessoas, como cidadãos, como um povo, como um país, ser melhores, cada vez melhores, temos que vencer essas regras de sobrevivência que nos têm levado ao que somos, ou seja, a sermos, como um povo, menos do que poderíamos ser.

2 comments:

  1. Alguns amigos comentaram sobre ganhar e perder. Que é preciso ensinar a perder, e eu acredito que é preciso saber perder.

    Mas eu não sei bem se é ensinar a perder, se é ensinar que não se tem de ganhar sempre. Talvez sejam subtilezas linguísticas, mas não ganhar, a meu ver, não precisa de ser perder. Quando não se ganha, não se perde necessariamente. Pode-se ficar onde se estava. Pode-se até aprender com a vitória do outro, e isso já é ganhar, embora algo diferente do que se esperava. Como diziam os nossos avós, ganhou juízo... brincamos com a expressão, mas tem o seu mérito.

    Acho que muitos pais pensam, e ensinam aos seus filhos, que quando não se ganha, perde-se. E isso acho que é um conceito errado.

    Alguns comentários indicavam para o facto de que essa garotada e rapaziada vai ter que se habituar a perder. Concordo, habituados à gratificação imediata, e aos jogos vídeo jogados a sós, sempre em competição, vão bater com as cabeças nas paredes quando se aperceberem que não aprenderam a arte de lidar com as outras pessoas (emotional intelligence), da sua idade ou não, e não aprenderam a arte de trabalhar em equipe onde o "give and take" (perdoem-me o anglicismo) é absolutamente necessário.

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  2. Estimado 'Nando
    Descobri o seu blogue na mensagem que me enviou por mail e vim dar uma olhadela, pelos "artigos" escritos e há aqui alguns que acho interessantes, como este que estou a comentar. Eu também tenho um olhar critico sobre a sociedade e tenho pontos de vista comuns, eu faço poemas sobre a sociedade em que vivemos e em que falo deste assunto que aqui relata vou passar aqui alguns deles e vou convidá-lo a visitar o meu blogue em: http//: rimar-contra-a-mare.blogspot.com, onde poderá ler alguns poemas, o blogue é muito recente pelo que não tem ainda muita coisa, mas vou colocar lá muitos mais, está convidado. Aqui vão alguns poemas curtos em que falo do que a qui está a falar.
    "Ensinaram-nos a ganhar
    Não nos ensinaram a perder
    E depois quando perdemos
    Nós fartamo-nos de sofrer"

    O português é bombeiro
    Das suas próprias aflições
    Para desenrascar em Portugal
    Somos quase dez milhões

    É a desenrascar que nós somos
    Dos melhores que há no mundo
    Mas se não fosse a Europa
    Este país, já tinha ido ao fundo

    O desenrascanço e a cunha
    São os maiores em Portugal
    Um dia o desenrascanço
    Vai ser Património Mundial

    O português é homem de fé
    Desenrascado quando calha
    Mas com tanta desorganização
    Já não há santo, que lhe valha

    Viver neste país desorganizado
    O português trabalha e sua
    Enquanto houver um português
    O desenrascanço, continua

    Porque será que na Europa
    Somos dos mais atrasados
    Chicos Espertos não nos faltam
    Que até são muito desenrascados

    O português é desenrascado
    Para mal dos nossos pecados
    Muito do seu desenrrascanço
    É deixar os outros enrascados

    Não tem hora de partir
    Nem têm hora de chegar
    Deixa tudo para a última hora
    Para depois, desenrascar

    Agora com a globalização
    Temos que ganhar juízo
    Se não nos organizamos
    Desta vez, lá se vai o paraíso

    Cordiais saudações
    António Silva

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