Eu vi um país
pobre, prostituído, corrupto, de sorrisos esmorecidos. Nesse país eu costumava
ver sorrisos. As gentes tinham um ar delicioso de olhares ternos e alegres. Mas
eu vi um país triste. Um país disfuncional. Um país onde eu não percebi a que
ponto acabava o vale-tudo propulsionado pelo drama diário da sobrevivência de
uma vida em pobreza abjeta e onde começava o crime da corrupção descarada.
Tive medo nesse
país logo à entrada. E ainda sinto medo dele. Pela estrada em direção ao nosso
destino eu vi machambas plantadas no meio do nada onde crescia milho que
parecia saudável e bem desenvolvido logo ao lado da cabana retangular de caniço
cheia de frestas por onde podia entrar tudo. O pó, o calor, o frio, o vento, os
olhares indiscretos, além dos muitos mosquitos que por todo o lado sugam a vida
a muitos infortunados deixando para trás os mais pequenos e os mais velhos
ainda mais desafortunados para serem sugados mais tarde.
Tive pena dos
habitantes dessas inúmeras palhotas de caniço junto à estrada. Não consegui
imaginar os habitantes das outras palhotas que não consegui ver, encobertas
pelas palhotas mais próximas, onde o sufoco da vida deve atingir um nível que,
para mim, é absolutamente incompreensível.
Tive medo dos bandos
de rapazes e homens que tentam angariar um pequeno negócio de serviços
duvidosos a turistas incautos ou visitantes inexperientes no funcionamento
destes pequenos esquemas e expedientes. Tive pena das mulheres que pediam
boleia à beira da estrada para irem não sei onde ou regressarem a casa não sei
de onde. Não imagino o que as levaria para tão longe das suas habitações. Mas a
vida deve ser muito penosa e perigosa para essas mulheres.
Senti muito receio
pela vida das carradas de gente humilde empilhadas em camionetes de caixa
aberta em que viajavam sentadas nos varais e apoiadas apenas umas às outras
como gado miúdo que eu vi, quando era criança, transportado pelas estradas
rurais.
Senti horror pela
imundície das poças de água à beira da estrada. Imundas, escuras, cheias de
plástico despedaçado, de restos de lixo irreconhecível que tornava em fétidas
essas águas que há pouco tempo foram límpidas gotas de água das chuvas. Poças
de água que faziam de parque de diversão para a criançada. Fez-me tristeza
pensar que seriam essas poças o local de diversão para as matilhas felizes de
garotos incautos. E temi pela sua saúde e pelas suas vidas.
Ao longo da
estrada ou na cidade não vi diferenças exceto na altura e estrutura das
habitações e na presença dos ghettos protegidos por guardas e por fiadas de
arame farpado eletrificado onde vivem em segurança e luxo os mais afortunados.
O lixo, a imundície, a pobreza, a fragilidade da vida era igual. Pensar em como
esta gente é sugada da sua alegria de viver, da sua dignidade é-me muito
penoso.
Tive medo do que
vi nesse país. As grandes desigualdades sociais e económicas acabam sempre por
gerar ressentimento e violência.
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