Saturday, May 11, 2013

Um país adormecido

Um amigo meu chama-lhe o país do absurdo. Compreendo porquê. Há um sem fim de exemplos que validam a classificação do meu amigo:
  • Luta-se pela erradicação da malária. A Raínha de Espanha e o Bill Gates subsidiam a pesquisa da vacina contra a malária. Mas as pessoas dormem à noite com redes rotas ou mesmo sem elas, como quem não acredita na seriedade do problema nem no valor do esforço e do dinheiro destas personalidades.
  • O ministro da agricultura patrocina conferências e faz discursos sobre a segurança alimentar do país. Mas 80% do mundo rural prossegue no seu lento dia a dia a plantar as mesmas plantas, com as mesmas enchadas e paus, com o mesmo primitivismo, e ao mesmo ritmo de agricultura de subsistência de há 50 anos.
  • Enquanto a população em massa continua a acreditar em poderes sobrenaturais, como os que atrofiaram a perna daquele homem quando alguém deitou água no chão da sua cabana enquanto dormia, as igrejas continuam a aplicar uns band-aids religiosos por cima daquilo em que o povo acredita. Não se educa o povo. Aplica-se uma doutrina por sufoco como a que os nossos antepassados tentaram aplicar noutros tempos e sem sucesso.
  • Neste país o clima tropical exige edificações apropriadas. A falta de energia reflecte-se em falhas diárias. A água da rede não tem pressão suficiente. Mas os novos edifícios são envidraçados com vidro simples, sem isolamento nem ventilação natural, e cada vez mais andares.
  • As praias deliciosas embaladas por um oceano amigável são um atrativo para muitos turistas que podem trazer divisas muito necessárias ao país. Mas encontram-se sem acessos adequados e sem infraestruturas competitivas. Muitas estão poluídas com garrafas de plástico, restos de rede de pesca, chinelos velhos abandonados, e outro lixo que não vi noutros países onde também se vive do turismo e das praias.
Eu diria que, além de ser um país do absurdo é também um país sem competitividade e em decadência. Um país com recursos e potencial mas que se deixou embalar pelo dinheiro fácil das doações e subsídios vindos de fora. Um país que vai vender os seus recursos a quem mais souber jogar o seu jogo preferido, o do enriquecimento ilícito pelas elites, mas que não tem competitividade em nada. É um país que se deixou ficar no tempo que já lá vai. Um país de 40 a 50 anos perdidos. Mesmo subtraindo os anos de guerra civil não consigo justificar tanta decadência.

Este é um país onde o governo anda 180º desfasado em relação às necessidades do país e do seu povo. Os últimos 40 a 50 anos foram de pouco progresso. Os pobres continuam a viver na cidade do caniço cada vez mais sufocante, cada vez mais criminosa, cada vez mais abjecta. Os ricos vivem cada vez mais soberbos, mais arrogantes e mais corruptos nos seus ghettos protegidos por guardas e arame farpado electrificado, receosos da crescente insegurança e criminalidade.

É um país sem indústria, como dantes. Onde tudo vem da África do Sul. Os supermercados são todos de cadeias Sul Africanas. Woolworths, Mr. Price, Pick & Pay, Spaar, etc. O comércio local não vende nada de fabrico Moçambicano. O açúcar, o leite, a farinha, o arroz, vêm da África do Sul. Como dantes. Como há 50 anos ou pior.

Não há livros nem revistas a circular. Numa cidade de 3 milhões de pessoas há 3 livrarias que se prezem. Como pode um povo aprender e progredir sem livros? As redes sociais estão cheias de vacuosidades. A escolaridade é medida pelo número de alunos que se inscrevem na primeira classe. É esse número que mede a literacia. Ninguém fala das taxas assustadoras de abandono escolar.

O povo é pacífico e dócil, como dantes. O povo tradicionalmente ouve a autoridade de quem manda. Mas as autoridades notam-se pela sua ausência ensurdecedora nos assuntos de importância para o país e para o bem estar do povo bem como pela sua presença nas notícias constantes sobre a corrupção descarada que defrauda o povo, que defrauda o país.

lixo por todo o lado. Como se o país sofresse de uma prisão de ventre infernal. Consome-se mas o lixo mantem-se dentro do sistema. Não sai do caminho. Existe por todo o lado. Nas ruas, nas traseiras das casas, nos edifícios abandonados, nas estadas, no mato, nas praias, nos mercados de rua. Ninguém parece estar preocupado com isso embora se trabalhe muito para a diminuição da mortalidade infantil por diarreias e outras maleitas.

Senti que o país não difere do que era no tempo da outra senhora. Um país sufocado, sem competitividade, sem capacidade productiva. Mas se realmente difere, será pela degradação e não pelo progresso. É realmente um país do absurdo, um país adormecido.

Adoro o seu povo mas já não me identifico com esse país. Com muita pena o digo.
 

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