No país do não, a que fiz referência num post anterior, desenvolveram-se, ao longo dos tempos, várias versões do não. É natural. Os esquimós têm umas 50 palavras para neve. Os povos das ilhas do Pacífico têm mais outras tantas palavras para vento. Pois este país do não também tem várias versões do não. Eu explico.
Há, por exemplo, o não sincopado, curto, imperativo, sem recurso, sem apelo nem agravo. Este não soa mais como um não em que o o quase desaparece. A ênfase está no ã. É dito com voz mais grossa e num tom de voz determinado - não! Assim, curto, como um café do mesmo nome. Que faz logo a tensão subir. É o não do não me chateies!
Há o não tolerante, displicente, de certo modo rebaixante, quase que um tás parvo ou quê. É dito esticado. Tão esticado quanto a nossa tolerância permitir. Este não soa mais como um nãããã..., ou um náááá.... É o não que se usa antes de um tás a sonhar com ladrões. É o não que premite indicar ao interlocutor que acabou de dizer a maior asneira do mundo sem ter que o dizer cara a cara. Percebi que dá muito jeito este não.
Não se deve confundir este não com o não mimado, um tanto agastado, mas amigável. Este não também é alongado, mas é dito com uma voz torneada de mimo, uma voz num tom mais agudo do que a voz natural. Mais ou menos um nãããuuuumm... É pronunciado com ênfase nas duas sílabas do não. É o não da jovem de olhos arregalados a quem o namorado insiste em fazer umas carícias um tanto íntimas em público, de que ela gostaria, mas que acha que não devem fazer isso ali no banco do jardim. O fator importante aqui é o tom de voz mimado. Aquele tom de aceitação inundado de uma recusa que pode quebrar a qualquer momento. O tom de voz e as nuances na entoação distinguem este não de todos os outros.
Há depois o não indiferente, descontraído, distraído, despreocupado, cool. Este não também tem de ser dito num tom de voz mais agudo. Mas mais do que o não anterior. Pelo menos uma oitava acima do nosso normal. Quase esganiçado. O não que quer dizer não sei porque é que estás preocupado com isso! É o não que precede um não estou nem aí. Por exemplo - já foste lavar os dentes? Não! É esse mesmo!
Descobri outro não mais recentemente. É um não que tem várias partes. Aprendi esse não numa situação que passo a descrever. Foi assim. Um adulto disse a uma criança - não! Aquele não curto, imperativo, parecido com a bica que mal molha o fundo da chávena. Mas a criança continuou a insistir e o adulto disse então à criança - que parte do não tu não percebeste? Eu não quiz entrar na conversa, mas apeteceu-me perguntar ao adulto que parte era essa. Mas deixei. A conversa não era comigo. No entanto ficou muito claro para mim que há um não que tem várias partes. Uma das quais a criança não percebeu. E eu, confesso, também não.
Deve haver mais nãos. Eu é que tenho de puxar pelos meus dois neurónios para pensar noutros. E já agora vou investigar essa do não com várias partes.
Dá para entender, não? Os anglo-saxónicos dizem - you understand, right? No país do não diz-se - percebeste, não?
No comments:
Post a Comment