Esse mesmo de que nos queixamos, o chico esperto, o político corrupto, seguido pelo industrial corrupto, financiado pelo banqueiro corrupto e seguido por cada um de nós que aceita, no mínimo, que o sistema seja corrompido ao menor vislumbre de benefício pessoal. Esse mesmo! O mesmo que tem levado este país às páginas dos jornais com escândalos dos quais apenas nos rimos ou nos queixamos, e contra os quais por vezes nos revoltamos mas sem efeitos correctivos aparentes. Esse mesmo é o mesmo que nos ensinaram, e o mesmo que, infelizmente, estamos a ensinar a ser aos nossos filhos.
De todos eles, penso que o chico esperto é o pior. É o pior porque abre a porta a todos os outros. O chico esperto de que nos queixamos é o que nós ensinamos aos nossos filhos e filhas quando lhes ensinamos a fazer batota num joguinho "sem importância" com os amigos, só para que o nosso filho ganhe sempre, ou pelo menos, mais vezes que os outros. E deste modo o nosso filho, ou filha, não precisa de ser bom no que faz. Basta ser esperto e aldrabar os outros, como espreitando as cartas do parceiro mais novo e inocente ou alterando as regras do jogo enquanto se joga um joguinho sem importância. Mas porquê? Porque ensinamos isso? A resposta é simples. Ensinamos isto porque nenhuma criança gosta de perder, nós não gostamos de ver os nossos perder, e em especial, não queremos ouvir a birra dos nossos filhos ou filhas quando perdem e não ganham. Todas as outras respostas ou justificações, que isto é um mundo cão, que só ganha quem é feroz, que as crianças têm de aprender a bater porque se não batem vão apanhar dos outros, são subterfúgios, nada mais.
Na realidade, perder precisa de ser ensinado e dá trabalho. Não precisamos de ensinar a ganhar. Isso já a natureza nos teceu, nas tramas mais recônditas da nossa massa cinzenta, durante milénios sem fim. Todos nós sobrevivemos porque ganhámos no jogo da vida. Somos descendentes de seres humanos, e, mais longe ainda, de animais que ganharam no jogo da vida. Perder precisa ser aprendido mas, e aí o dilema que temos de enfrentar, nem um pai gosta de ver o filho perder, nem se quer dar ao trabalho de ensinar o filho a perder, ou seja, a ser bom no que faz para ganhar. Isso dá trabalho. A ambos. Falo de pais e filhos no contexto genérico de pais, de filhos, de mães, de filhas, de avós, de netos, de netas e por aí adiante.
Ensinar a perder é ensinar regras da democracia que tanto gritamos aos sete ventos, e isso leva tempo e dá trabalho. Mas é essa democracia que nos permite viver em paz com os nossos vizinhos, que nos permite ter amigos a sério, não apenas os de conveniência, e até sermos felizes nos nosso relacionamentos.
Alguns amigos comentaram sobre ganhar e perder. Que é preciso ensinar a perder, e eu acredito que é preciso saber perder.
ReplyDeleteMas eu não sei bem se é ensinar a perder, se é ensinar que não se tem de ganhar sempre. Talvez sejam subtilezas linguísticas, mas não ganhar, a meu ver, não precisa de ser perder. Quando não se ganha, não se perde necessariamente. Pode-se ficar onde se estava. Pode-se até aprender com a vitória do outro, e isso já é ganhar, embora algo diferente do que se esperava. Como diziam os nossos avós, ganhou juízo... brincamos com a expressão, mas tem o seu mérito.
Acho que muitos pais pensam, e ensinam aos seus filhos, que quando não se ganha, perde-se. E isso acho que é um conceito errado.
Alguns comentários indicavam para o facto de que essa garotada e rapaziada vai ter que se habituar a perder. Concordo, habituados à gratificação imediata, e aos jogos vídeo jogados a sós, sempre em competição, vão bater com as cabeças nas paredes quando se aperceberem que não aprenderam a arte de lidar com as outras pessoas (emotional intelligence), da sua idade ou não, e não aprenderam a arte de trabalhar em equipe onde o "give and take" (perdoem-me o anglicismo) é absolutamente necessário.
Estimado 'Nando
ReplyDeleteDescobri o seu blogue na mensagem que me enviou por mail e vim dar uma olhadela, pelos "artigos" escritos e há aqui alguns que acho interessantes, como este que estou a comentar. Eu também tenho um olhar critico sobre a sociedade e tenho pontos de vista comuns, eu faço poemas sobre a sociedade em que vivemos e em que falo deste assunto que aqui relata vou passar aqui alguns deles e vou convidá-lo a visitar o meu blogue em: http//: rimar-contra-a-mare.blogspot.com, onde poderá ler alguns poemas, o blogue é muito recente pelo que não tem ainda muita coisa, mas vou colocar lá muitos mais, está convidado. Aqui vão alguns poemas curtos em que falo do que a qui está a falar.
"Ensinaram-nos a ganhar
Não nos ensinaram a perder
E depois quando perdemos
Nós fartamo-nos de sofrer"
O português é bombeiro
Das suas próprias aflições
Para desenrascar em Portugal
Somos quase dez milhões
É a desenrascar que nós somos
Dos melhores que há no mundo
Mas se não fosse a Europa
Este país, já tinha ido ao fundo
O desenrascanço e a cunha
São os maiores em Portugal
Um dia o desenrascanço
Vai ser Património Mundial
O português é homem de fé
Desenrascado quando calha
Mas com tanta desorganização
Já não há santo, que lhe valha
Viver neste país desorganizado
O português trabalha e sua
Enquanto houver um português
O desenrascanço, continua
Porque será que na Europa
Somos dos mais atrasados
Chicos Espertos não nos faltam
Que até são muito desenrascados
O português é desenrascado
Para mal dos nossos pecados
Muito do seu desenrrascanço
É deixar os outros enrascados
Não tem hora de partir
Nem têm hora de chegar
Deixa tudo para a última hora
Para depois, desenrascar
Agora com a globalização
Temos que ganhar juízo
Se não nos organizamos
Desta vez, lá se vai o paraíso
Cordiais saudações
António Silva