(dedicado ao Jaime e a todos os que gostam do sabor do Índico)
Ele só pensava que ela já deveria estar muito zangada com ele. Ela sabia que ele tinha ido à pesca, como muitas vezes o tinha feito antes, com o seu amigo, mas o sol já se tinha posto há algum tempo e ela tinha estado à espera que ele estivesse de volta pouco depois do sol posto como era de costume.
Eliane não se importava que ele fosse à pesca mas refilava sempre cada vez que tinha de amanhar o peixe que ele tivesse apanhado. Além de que ela não perdia a oportunidade de lhe dizer que não apreciava ficar em casa sozinha apesar de nunca se ter interessado em ir com ele à pesca. Era estranho que fossem estes os pensamentos que lhe passavam pela mente neste momento. A maré vazava, e embora eles pudessem ver claramente as luzes dos carros que pareciam deslizar em estranho silêncio pela marginal que parecia tão próxima, eles não tinham a mínima chance de serem ouvidos mesmo que tentassem chamar por alguém aos berros ou aos gritos. O que tinha começado como uma simples pescaria a meio de uma tarde quente e calma, uma rápida fugida a uma escaldante tarde africana que de outro modo teria sido passado dentro de um sufocante escritório da baixa, tinha-se tornado numa experiência cada vez mais assustadora.
O Manuel tinha sempre confiado no seu velho barco de fibra de vidro com o seu pequeno motor fora de borda, mas a verdade é que nunca reservava tempo suficiente para cuidar dos pequenos detalhes mecânicos que esses pequenos meios de transporte ou recreio exigem. Todas as saídas com o velho barquito eram marcadas por uma pequena falha do motor, mas este sempre acabava por ser reavivado no momento preciso, muitas das vezes no que parecia ser o último momento. Mas não desta vez. Estava completamente silencioso por mais que o Manuel tentasse reavivar aquela engenhoca mecânica. Agora nem insultos funcionavam.
O Jaime não apreciava a falta de zelo do amigo nestas coisas de mecânicas relacionadas com o pequeno mas fiel motor, mas gostava do seu amigo de há muitos anos e era tão cioso de uma boa pescaria que sempre acabava por deitar as cautelas ao vento todas as vezes que o amigo o chamava com notícias sobre as últimas pescarias da malta do Clube, que ele sempre embelezava com imagens do que os dois poderiam apanhar se fossem a tal dia ou a tal hora ao fundão na baía que só eles conheciam.
Agora olhavam um para o outro no pequeno barco. Uma leve brisa soprava quente mas não havia nem sinais de uma sulada, como às vezes acontecia nessa altura do ano. As suladas na baía, embora se anunciassem com nuvens tenebrosas sobre a costa sul da baía, actuavam rapidamente, surpreendendo muitos incautos, e sempre traziam ventos fortes e mesmo nas águas protegidas da baía ondulação demasiada para o velho barco. Não havia ninguém que gostasse de ser apanhado de surpresa, no mar ou mesmo na baía, por uma destas tempestades que sempre traziam chuva, por mais curta que fosse a duração da borrasca. De momento a única preocupação era a maré vazante que os estava a levar cada vez mais perto do canal que servia a entrada do porto e cada vez mais perto da entrada da baía onde os navios aguardavam ancorados a sua vez de entrar no porto e acostar ao cais de cargas da cidade.
Mas de momento eles continuavam suficientemente perto da costa para qualquer deles, bons nadadores que eram, poderem tentar nadar para terra, mas nenhum se atrevia saltar para a água. Estas eram águas tropicais e ambos sabiam que os tubarões, que os havia bastantes, o genro do Jaime tinha apanhado sem querer um na linha o sábado anterior, estavam sempre activos durante as horas logo a seguir ao pôr-do-sol. Vendo bem as coisas, o barco, apesar de tudo, era mais seguro.
Eles bem viraram o conteúdo do pequeno barco de pantanas em busca de algo com que pudessem fazer sinais para quem os quisesse ver da marginal, mas descobriram que nem um nem o outro tinha trazido uma lanterna de pilhas. E o barquito não tinha qualquer sinalização luminosa que fosse.
A única chance deles era que alguém no Clube Naval se lembrasse de os ter visto sair e acabasse por notar que ainda não tivessem regressado. O Jaime tentava consolar-se com a ideia que talvez a Eliane tivesse ligado para o Clube a perguntar por eles, e isso fizesse com que os marujos do Clube, todos eles pretos, se lembrassem que os dois homens ainda não tinham regressado no pequeno barco. As suas inimitáveis rezinguisses que ao menos desta vez pudessem ter alguma utilidade e os salvassem. Sim, pensou ele, está-se mesmo a ver. Agora que precisamos é que não há rezinguisse de espécie alguma. Normalmente o Comodoro do Clube teria tomado nota da saída do barco e teria já alertado os demais para a falta dos dois homens, mas ele estava de licença graciosa em Portugal e não regressaria por mais uns meses. Era sabido que quando o Comodoro não estava as coisas andavam um pouco à balda.
O ar começava a arrefecer com a noite e o medo de se perderem no mar, embora se encontrassem de momento a pouco mais de uma milha da marginal, pesava-lhe nos ombros numa mistura de medo e vergonha. Além do mais ele estava a ficar com fome. O Jaime era um bom garfo e num instante a sua mente passou a ocupar-se com pensamentos de um bom jantar numa sala sem ondas, com ar condicionado e muita luz. Não havia luz a bordo. Apenas o isqueiro que o Jaime usava continuamente para acender cigarro após cigarro. Tinha estado a fumar sem parar, coisa que fazia sempre que ficava nervoso, há quase três horas. A garganta ardia-lhe. Cada vez que tossia parecia que os pulmões lhe saltavam do peito, e isto já estava a irritar o Manuel que raramente fumava, em geral em festas, mas só para fazer camaradagem.
Agora pouco falavam. O Manuel de vez em quando rogava umas assanhadas pragas ao pequeno motor que lhe respondia apenas com o profundo silêncio em que tinha mergulhado há horas. Estes ataques porém duravam-lhe pouco tempo, e ele acabava sempre por voltar a acomodar-se no fundo molhado do barquito, encostado a um canto da popa, tentando penetrar com os olhos a negridão que se estendia a toda a volta. Os minutos pareciam horas e eles estavam a sentir cada vez mais o frio da noite.
A certo ponto o Jaime teve a impressão que tinha visto algo sobre a água, mas em breve concluiu que estava a ter alucinações e voltou a concentrar-se nos seus pensamentos, os pensamentos que sempre devem ter atormentado os náufragos de todos os tempos. Tudo à volta era escuridão. Apenas algumas luzes em terra quebravam a solidão da noite escura e sem lua, mas até estas agora já mal se viam.
O barquito balouçava agora mais do que dantes. Devem ter sido levados pela corrente e agora deviam estar no canal de navegação, e a derivar para a boca da barra onde havia sempre navios ancorados. Se eles fossem levados pela corrente até perto de um desses navios poderiam tentar gritar por ajuda e havia a hipótese de poderem ser ouvidos pela tripulação do turno da noite. Mas por enquanto eles ainda estavam muito longe do navio mais próximo cujas luzes mal podiam vislumbrar na negra escuridão do que eles sabiam era o mar aberto, o oceano, o Índico. Desta vez foi o Manuel que sentiu um arrepio ao imaginar ter visto algo e poder estar a ter alucinações. Mas era difícil de ignorar a pequena luz que se movia sobre a água no que parecia ser na sua direcção. O Manuel perguntou ao Jaime se estava a ver a mesma coisa. O Jaime murmurou umas obscenidades e voltou a acomodar-se de novo no fundo do pequeno barco, que, embora molhado, o fazia sentir mais protegido da escuridão do mar e do vento que agora soprava mais forte e frio.
O Manuel pensou que devia estar afinal a ver coisas e rogou de novo umas pragas aos marujos do Clube por obviamente não terem tomado qualquer decisão e provavelmente nem terem notado a ausência dos dois pescadores. Ele nunca confiou nos pretos embora trabalhasse com eles todos os dias nas docas do cais de carga. Os pretos carregavam e descarregavam os navios de carga, a músculo, sob o intenso sol e calor africano. Ele só dava ordens e avaliava o progresso do trabalho. Ele era o capataz. O salário que levava para casa dependia da sua capacidade em fazê-los trabalhar cada vez mais. Mas o salário que eles levavam para casa não variava. Era sempre o mesmo. Se eles trabalhassem mais depressa ele saia mais cedo e ia para a pesca. Eles regressavam às suas palhotas poeirentas, infernalmente quentes do sol, construídas na periferia da cidade de cimento onde ele, e os outros brancos como ele, viviam.
O Manuel sabia que a vida lhe sorria porque os pretos trabalhavam forte e feio e por pouco dinheiro. E por isso mesmo ele não confiava neles. Ele nunca aceitaria a humilhação que ele próprio aplicava nesses homens negros. Se algum chefe lhe fizesse o mesmo ele jurar-lhe-ia vingança de morte por ter tido a audácia de tentar humilhá-lo. E por isso ele não confiava nos pretos. Se lhe perguntassem ele diria abertamente que não confiava em nenhum deles. Além disso ele também acreditava que ele era quem lhes proporcionava a oportunidade de ter um emprego e isto fazia com que, na sua mente, todos estes homens lhe devessem o pão e até a vida. Como poderiam eles esquecer-se de tudo isto quando o seu benfeitor estava agora necessitado de ajuda, prestes a se perder no mar, e mais provavelmente morrer afogado? Estes pretos eram tão ingratos. E essa era outra razão porque ele não confiava neles. Nenhum deles.
Mas a pequena luz tornava-se cada vez maior e mais brilhante. Parecia que balouçava nas ondas. O primeiro pensamento foi que estavam a ver umas das bóias que sinalizavam o canal de navegação, mas esta era branca, e não verde ou vermelha como era de esperar. Começaram a pensar que também ouviam o murmurar de um motor que mal se ouvia acima do ruído que as ondas faziam ao bater contra o casco oco e frágil do pequeno barco e do ruído do vento agora incessante que contrastava furiosamente com a brisa morna da tarde à hora em que saíram para a curta pescaria da tarde.
O Jaime apagou o cigarro. A sua mente ainda rejeitava a ideia de que a tal luzinha pertencesse a um barco que se movia na sua direcção. Mas o Manuel já não pensava mais e agora procurava por todo o lado o trapo que o Jaime usava para segurar melhor a isca que ele tinha o costume de cortar em pedaços. Os hábitos de poupança que lhe foram incutidos desde pequeno não o permitiam usar um peixe inteiro como isca cada vez que o anzol precisava. Por isso ele sempre cortava a isca em pedaços mais pequenos do que jamais o Manuel teria pachorra para o fazer. Com o isqueiro do Jaime bem tentou pôr fogo no trapo mas o vento era demais para a manobra. Mas agora não era altura de desistir, pensou ele. No meio de uma torrente incessante de pragas tentou de novo e mais uma vez e finalmente conseguiu. Logo de seguida ergueu o trapo flamejante acima da cabeça iluminando as águas em volta. O ronco de uma buzina soou e depois calou-se. Mas voltou a soar indicando que os tinham visto. Finalmente estavam salvos! Tinham-nos encontrado! O Manuel deitou cá para fora uma nova torrente de palavrões e insultos aos marujos pretos mas desta vez em reconhecimento que eram afinal úteis para alguma coisa. Embora ele estivesse convencido que se a iniciativa foi deles teria sido por medo de perderem o emprego, e não por amor ao próximo.
Quando chegaram ao Clube foram recebidos por um magote de tipos que frequentavam o bar do Clube à noite para jogar à batota, beber cerveja, discutir política, e trocar historietas sobre as suas conquistas amorosas mas de veracidade duvidosa. Ambos sentiram um grande alívio por estarem em terra firme mas também um pouco de vergonha. Sentiram-se e foram tratados como heróis. Tinham estado perdidos em águas infestadas de tubarões mas, na realidade, tão perto da costa que quase não contava como uma façanha ou uma aventura perigosa.
Quando o Jaime chegou a casa já a mulher sabia os detalhes todos da aventura. As notícias corriam depressa naquela pequena cidade de umas poucas centenas de habitantes, uma minoria dos quais eram brancos de origem Portuguesa que tinham vindo para África para poderem ter um nível de vida inconcebível no seu pais de origem. A Eliane não teve compaixão nenhuma pelo marido. Aproveitou a oportunidade para descarregar uma carga de sentimentos reprimidos. Que o Manuel não tinha cuidado com o barco. Que o Manuel era um desmazelado. Que o Manuel não tinha amor pela vida, nem pela mulher. Que o Manuel não tinha consideração por ninguém, nem pela vida de ninguém. Ela nunca gostou do Manuel mas aturava-o porque era muito amiga da Maria, a mulher dele. Foi a Maria quem naquela noite tinha dito à Eliane que os dois homens estavam perdidos no mar. Era uma mulher que, não se dando a bilhardices, andava sempre a par do que se passava naquela terra, principalmente no que tinha a ver com o marido.
O Jaime estava cansado, envergonhado, tinha frio, e queria um duche quente e uma sopa ainda mais quente, embora a casa ainda estivesse morna do calor abrasante do sol daquele dia africano. O que ele encontrou porém foi uma mulher a ferver e com a língua afiada que não estava disposta a deixar passar a oportunidade para o fazer sofrer pelo susto que ele lhe pregou. Os queixumes viraram em rezinguisses cada vez mais impertinentes que acabaram por virar em recriminações que trouxeram à baila até assuntos de décadas atrás de tal modo que o Jaime perdeu a sua habitual calma. Não era normal para ele perder a calma. Ele detestava entrar naquele estado de ira que o fazia dizer coisas que nunca imaginava ser capaz de dizer. Como se o diabo lhe estivesse a ditar as palavras. Levantou-lhe a voz e disse-lhe para se calar porque se não se calasse ele iria dormir a uma casa de putas onde de certeza iria encontrar alguma mulher que sentisse compaixão por ele e pelo cagaço por que tinha passado. O ameaço calou-a mas deixou-a azeda e triste.
A apreciação que o Manuel demonstrou pela dedicação dos pretos do Clube teve certa razão de ser. Mas não na totalidade. Acontece que um dos seus colegas de serviço, que era preto, tinha passado pelo Clube a caminho de casa depois de ter acabado o turno da noite nas docas do cais e viu o carro do Manuel. Ele sabia que o Manuel tinha ido à pesca mas ficou surpreso ao ver-lhe o carro a tais horas da noite. Quando chegou a casa decidiu telefonar à Daniela, a amante do Manuel. Não, ele não estava lá. Estranho, pensou ele. Ligou então à Maria. Não, ele também não estava em casa. Foi nessa altura que lhe ocorreu ligar para o Clube. A conversa que se seguiu deu origem a que uns tantos amigos se resolvessem a sair de barco à procura dos dois perdidos.
Quando o pequeno grupo de voluntários deitou o barco à água não tinham muita noção de que iriam fazer nem para onde se deveriam dirigir. Mas todos sabiam que a maré era de peixe e que aquela faixa ao longo da marginal em geral dava sorte. Nessa faixa, sem ter que ir muito longe, apanhava-se muito bom peixe. E assim fizeram. Andaram à procura por algum tempo mas estavam quase a desistir quando viram o que lhes parecia um fogacho na escuridão. Decidiram investigar esta última pista que mesmo assim lhes pareceu possível. Foi a sorte dos dois amigos.
Estava quase a adormecer, ainda a pensar que poderia ter sido um homem morto quando notou que a Eliane tinha entrado no quarto. Momentos depois ela tinha-se deitado na cama ao lado dele. Ele ficou de pé atraz à espera que ela tentasse dizer algo para ficar com a última palavra e não precisou de esperar muito. No escuro do quarto ela disse-lhe que estava feliz porque ele não era um homem morto. Estas palavras surpreenderam-no mas ele não se deixou enganar. Em seguida disse-lhe que ele era um bom homem, bom demais, e ele apercebeu-se do toque de sarcasmo na voz da mulher. Começou a impacientar-se e por pouco que não lhe deu uma resposta azeda mas ela apercebeu-se da impaciência do marido e calou-se a tempo. O Jaime adormeceu logo a seguir à altercação com a mulher.
Adormeceu pensando que era um homem de sorte por ainda estar vivo e perguntou-se, no silêncio da noite, porque é que nunca tinha dito ao Manuel algo sobre as suas reticências em relação ao modo como ele não prestava mais atenção ao barco e ao velho motor fora de borda. Poderia dizer-lhe algo agora que passaram por esta, malhava enquanto o ferro estivesse quente. Ou poderia arranjar um outro sócio para as pescarias, alguém que fosse mais cuidadoso com a manutenção do equipamento a bordo. Mas não chegou a decidir nada. Adormeceu só nos pensamentos.
No fim-de-semana seguinte, quando o Manuel lhe ligou convidando para irem de novo pescar, ele foi sem hesitação, como se nada tivesse acontecido. Ele gostava do Manuel. O Manuel nunca se queixava do seu fumar incessante e sempre tinha umas boas histórias de mulheres para contar. Além disso ele sabia que mesmo se ele não fosse à pesca a Eliane haveria de encontrar algum outro assunto para lhe moer o juízo com o seu monótono rezingar. Do mal o menos, pensou ele.
8 de Maio de 1997
Saturday, December 26, 2009
Em forma de conchinha...
Friday, December 25, 2009
Ser português
Ser português é ser o que nos ensinaram a ser e que, se não nos acautelamos, ensinaremos os nossos filhos também a ser, ou seja, o mesmo.
Esse mesmo de que nos queixamos, o chico esperto, o político corrupto, seguido pelo industrial corrupto, financiado pelo banqueiro corrupto e seguido por cada um de nós que aceita, no mínimo, que o sistema seja corrompido ao menor vislumbre de benefício pessoal. Esse mesmo! O mesmo que tem levado este país às páginas dos jornais com escândalos dos quais apenas nos rimos ou nos queixamos, e contra os quais por vezes nos revoltamos mas sem efeitos correctivos aparentes. Esse mesmo é o mesmo que nos ensinaram, e o mesmo que, infelizmente, estamos a ensinar a ser aos nossos filhos.
De todos eles, penso que o chico esperto é o pior. É o pior porque abre a porta a todos os outros. O chico esperto de que nos queixamos é o que nós ensinamos aos nossos filhos e filhas quando lhes ensinamos a fazer batota num joguinho "sem importância" com os amigos, só para que o nosso filho ganhe sempre, ou pelo menos, mais vezes que os outros. E deste modo o nosso filho, ou filha, não precisa de ser bom no que faz. Basta ser esperto e aldrabar os outros, como espreitando as cartas do parceiro mais novo e inocente ou alterando as regras do jogo enquanto se joga um joguinho sem importância. Mas porquê? Porque ensinamos isso? A resposta é simples. Ensinamos isto porque nenhuma criança gosta de perder, nós não gostamos de ver os nossos perder, e em especial, não queremos ouvir a birra dos nossos filhos ou filhas quando perdem e não ganham. Todas as outras respostas ou justificações, que isto é um mundo cão, que só ganha quem é feroz, que as crianças têm de aprender a bater porque se não batem vão apanhar dos outros, são subterfúgios, nada mais.
Na realidade, perder precisa de ser ensinado e dá trabalho. Não precisamos de ensinar a ganhar. Isso já a natureza nos teceu, nas tramas mais recônditas da nossa massa cinzenta, durante milénios sem fim. Todos nós sobrevivemos porque ganhámos no jogo da vida. Somos descendentes de seres humanos, e, mais longe ainda, de animais que ganharam no jogo da vida. Perder precisa ser aprendido mas, e aí o dilema que temos de enfrentar, nem um pai gosta de ver o filho perder, nem se quer dar ao trabalho de ensinar o filho a perder, ou seja, a ser bom no que faz para ganhar. Isso dá trabalho. A ambos. Falo de pais e filhos no contexto genérico de pais, de filhos, de mães, de filhas, de avós, de netos, de netas e por aí adiante.
Ensinar a perder é ensinar regras da democracia que tanto gritamos aos sete ventos, e isso leva tempo e dá trabalho. Mas é essa democracia que nos permite viver em paz com os nossos vizinhos, que nos permite ter amigos a sério, não apenas os de conveniência, e até sermos felizes nos nosso relacionamentos.
No entanto, como portugueses, temos entranhado dentro de nós a ideia que ensinar um filho a perder é ensiná-lo a ser "mó de baixo," a ser "pateta", a ser o "bobo do grupo". Mas isso é um erro grave para a criança e para a sociedade. Para não ser nada disso é também preciso ensinar a criança a reconhecer quando as regras estão a ser violadas pelos outros e ensinar a levantar a voz e reclamar e, se preciso for, punir quem prevarica. Mas isso dá trabalho aos pais e à sociedade. Leva tempo. E precisa de convicção de que o chico espertismo que nos ensinaram não é, ao fim e ao cabo, bom para ninguém. Essa convicção viola os ensinamentos dos nossos pais e é difícil ir contra a maré. Mas se queremos, como pessoas, como cidadãos, como um povo, como um país, ser melhores, cada vez melhores, temos que vencer essas regras de sobrevivência que nos têm levado ao que somos, ou seja, a sermos, como um povo, menos do que poderíamos ser.
Esse mesmo de que nos queixamos, o chico esperto, o político corrupto, seguido pelo industrial corrupto, financiado pelo banqueiro corrupto e seguido por cada um de nós que aceita, no mínimo, que o sistema seja corrompido ao menor vislumbre de benefício pessoal. Esse mesmo! O mesmo que tem levado este país às páginas dos jornais com escândalos dos quais apenas nos rimos ou nos queixamos, e contra os quais por vezes nos revoltamos mas sem efeitos correctivos aparentes. Esse mesmo é o mesmo que nos ensinaram, e o mesmo que, infelizmente, estamos a ensinar a ser aos nossos filhos.
De todos eles, penso que o chico esperto é o pior. É o pior porque abre a porta a todos os outros. O chico esperto de que nos queixamos é o que nós ensinamos aos nossos filhos e filhas quando lhes ensinamos a fazer batota num joguinho "sem importância" com os amigos, só para que o nosso filho ganhe sempre, ou pelo menos, mais vezes que os outros. E deste modo o nosso filho, ou filha, não precisa de ser bom no que faz. Basta ser esperto e aldrabar os outros, como espreitando as cartas do parceiro mais novo e inocente ou alterando as regras do jogo enquanto se joga um joguinho sem importância. Mas porquê? Porque ensinamos isso? A resposta é simples. Ensinamos isto porque nenhuma criança gosta de perder, nós não gostamos de ver os nossos perder, e em especial, não queremos ouvir a birra dos nossos filhos ou filhas quando perdem e não ganham. Todas as outras respostas ou justificações, que isto é um mundo cão, que só ganha quem é feroz, que as crianças têm de aprender a bater porque se não batem vão apanhar dos outros, são subterfúgios, nada mais.
Na realidade, perder precisa de ser ensinado e dá trabalho. Não precisamos de ensinar a ganhar. Isso já a natureza nos teceu, nas tramas mais recônditas da nossa massa cinzenta, durante milénios sem fim. Todos nós sobrevivemos porque ganhámos no jogo da vida. Somos descendentes de seres humanos, e, mais longe ainda, de animais que ganharam no jogo da vida. Perder precisa ser aprendido mas, e aí o dilema que temos de enfrentar, nem um pai gosta de ver o filho perder, nem se quer dar ao trabalho de ensinar o filho a perder, ou seja, a ser bom no que faz para ganhar. Isso dá trabalho. A ambos. Falo de pais e filhos no contexto genérico de pais, de filhos, de mães, de filhas, de avós, de netos, de netas e por aí adiante.
Ensinar a perder é ensinar regras da democracia que tanto gritamos aos sete ventos, e isso leva tempo e dá trabalho. Mas é essa democracia que nos permite viver em paz com os nossos vizinhos, que nos permite ter amigos a sério, não apenas os de conveniência, e até sermos felizes nos nosso relacionamentos.
Thursday, December 17, 2009
Filhos e filhas
Pois é assim.
Queremo-los.
Concebemo-los
e assim os temos.
Os educamos
eles crescem
nos esfoçamos
e assim os vemos.
que sejam
o que gostamos
na imagem que temos.
agora são eles
não são nós
nem os avós deles.
não são o que fizemos
mas são eles
nós os fizemos.
são a imagem deles
novos belos seres
nova linguagem.
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